terça-feira, 30 de junho de 2020

Multa contratual durante a pandemia na locação residencial

A dúvida mais recorrente sobre o tema do título é: há o que se possa fazer, nos casos de locação residencial, se o locatário sofreu impacto econômico negativo em razão da pandemia?

Nos casos concretos há muitas situações em que o locador ainda não sofreu impacto da crise, e em que o locatário, arrimo de família, perdeu o emprego. Mas, com certeza, também existem situações em que os aluguéis oriundos da locação constituem a fonte de renda da família do locador, que já sofreu impacto negativo da pandemia, em virtude do crescente inadimplemento. Encontraremos, por certo, até mesmo casos em que o locador é pessoa idosa, do grupo de risco da COVID-19, que complementa a aposentadoria com os aluguéis; que os usa para pagar plano de saúde e comprar remédios. E casos em que o locatário, ainda que tenha sofrido impacto negativo, é pessoa que tem uma boa reserva financeira, que lhe dá segurança por algum tempo.

As considerações, neste post, serão abstratas. Nos casos reais, todas as circunstâncias relevantes devem ser cuidadosamente consideradas.

Vamos lá!

Os contratos de locação residencial são negócios jurídicos e geram obrigações; logo, estão dentro do escopo de aplicação de ambas as teorias.

No entanto, ao examinarmos os pressupostos que configuram o suporte fático de aplicação tanto da teoria da imprevisão, quanto da teoria da onerosidade excessiva, concluímos que a situação econômica do locatário não altera o equilíbrio contratual.

Conforme o art. 317 do Código Civil, para que seja autorizada a revisão do negócio por aplicação da teoria da imprevisão, é preciso que a alteração imprevisível das circunstâncias fáticas seja tal que cause “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”. Ou seja: o valor da locação precisa ter sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis. Em outras palavras, aquele imóvel não justifica mais o valor pactuado a título de aluguel; a crise causou desvalorização.

No entanto, não é o que ocorre na hipótese abstrata em exame, em que o impacto da crise foi sobre a situação econômica do locatário.

Por sua vez, conforme o art. 478 do Código, é possível a resolução por onerosidade excessiva — ou, na hipótese do art. 479, a revisão —, quando, em razão da alteração imprevisível das circunstâncias fáticas, “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra”.

Ocorre que, na hipótese que ora se examina, não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato, mas as circunstâncias particulares de um dos sujeitos, o locatário. Consequentemente, ainda que se pudesse suscitar que o pagamento dos aluguéis se tornou excessivamente oneroso — o que não é verdadeiro no sentido do art. 478, porque as prestações não se desequilibraram —, não se poderia alegar extrema vantagem para o locador, justamente porque não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato; as prestações não se desequilibraram.

Logo, não se poderia discutir revisão ou resolução de contratos de locação residencial, por aplicação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, pelo fato de o locatário ter sofrido impacto negativo da pandemia do novo coronavírus.
Não obstante, é evidente que, em grande parte dos casos, o impacto econômico negativo da pandemia sofrido pelo locatário acarretará o inadimplemento da obrigação de pagar os aluguéis.

Por esse motivo, abstratamente, é muito recomendável a negociação entre locador e locatário, para fins de alteração — ainda que temporária — do valor do aluguel, por meio da ferramenta jurídica obrigacional da novação objetiva (art. 360, I, CC). O art. 18 da Lei de Locações — Lei nº 8.245/1991 — admite expressamente a novação do valor do aluguel nos contratos de locação.

Consiste a novação objetiva em uma nova obrigação, que será negociada entre os mesmos credor e devedor, que devem entrar em acordo sobre extinguir uma obrigação anterior e substituí-la por uma nova, com objeto diverso, sem necessidade de intervenção do juiz.

Aqui, especificamente, trata-se do acordo entre locador e locatário para, ainda que por certo prazo — por exemplo, enquanto perdurar a pandemia —, substituir o valor originalmente ajustado de aluguel por um novo valor, que o locatário possa pagar nas circunstâncias atuais.
Com a novação, provavelmente, será possível evitar o inadimplemento, conservando-se o negócio jurídico.

Por fim, a novação se dá no campo da autonomia privada; depende de acordo entre os sujeitos do contrato. Nisso, em muito diverge da revisão ou resolução por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, que ocorrem no campo da interferência do Estado nas relações privadas. A revisão ou a resolução do contrato por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva podem ser pleiteadas em juízo, cabendo ao juiz decidir; a novação, não.

Fonte: http://genjuridico.com.br

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