Nos casos concretos há muitas situações em que o locador ainda não sofreu impacto da crise, e em que o locatário, arrimo de família, perdeu o emprego. Mas, com certeza, também existem situações em que os aluguéis oriundos da locação constituem a fonte de renda da família do locador, que já sofreu impacto negativo da pandemia, em virtude do crescente inadimplemento. Encontraremos, por certo, até mesmo casos em que o locador é pessoa idosa, do grupo de risco da COVID-19, que complementa a aposentadoria com os aluguéis; que os usa para pagar plano de saúde e comprar remédios. E casos em que o locatário, ainda que tenha sofrido impacto negativo, é pessoa que tem uma boa reserva financeira, que lhe dá segurança por algum tempo.
No entanto, ao examinarmos os pressupostos que configuram o suporte fático de aplicação tanto da teoria da imprevisão, quanto da teoria da onerosidade excessiva, concluímos que a situação econômica do locatário não altera o equilíbrio contratual.
Conforme o art. 317 do Código Civil, para que seja autorizada a revisão do negócio por aplicação da teoria da imprevisão, é preciso que a alteração imprevisível das circunstâncias fáticas seja tal que cause “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”. Ou seja: o valor da locação precisa ter sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis. Em outras palavras, aquele imóvel não justifica mais o valor pactuado a título de aluguel; a crise causou desvalorização.
No entanto, não é o que ocorre na hipótese abstrata em exame, em que o impacto da crise foi sobre a situação econômica do locatário.
Por sua vez, conforme o art. 478 do Código, é possível a resolução por onerosidade excessiva — ou, na hipótese do art. 479, a revisão —, quando, em razão da alteração imprevisível das circunstâncias fáticas, “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra”.
Ocorre que, na hipótese que ora se examina, não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato, mas as circunstâncias particulares de um dos sujeitos, o locatário. Consequentemente, ainda que se pudesse suscitar que o pagamento dos aluguéis se tornou excessivamente oneroso — o que não é verdadeiro no sentido do art. 478, porque as prestações não se desequilibraram —, não se poderia alegar extrema vantagem para o locador, justamente porque não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato; as prestações não se desequilibraram.
Logo, não se poderia discutir revisão ou resolução de contratos de locação residencial, por aplicação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, pelo fato de o locatário ter sofrido impacto negativo da pandemia do novo coronavírus.
Não obstante, é evidente que, em grande parte dos casos, o impacto econômico negativo da pandemia sofrido pelo locatário acarretará o inadimplemento da obrigação de pagar os aluguéis.
Por esse motivo, abstratamente, é muito recomendável a negociação entre locador e locatário, para fins de alteração — ainda que temporária — do valor do aluguel, por meio da ferramenta jurídica obrigacional da novação objetiva (art. 360, I, CC). O art. 18 da Lei de Locações — Lei nº 8.245/1991 — admite expressamente a novação do valor do aluguel nos contratos de locação.
Consiste a novação objetiva em uma nova obrigação, que será negociada entre os mesmos credor e devedor, que devem entrar em acordo sobre extinguir uma obrigação anterior e substituí-la por uma nova, com objeto diverso, sem necessidade de intervenção do juiz.
Aqui, especificamente, trata-se do acordo entre locador e locatário para, ainda que por certo prazo — por exemplo, enquanto perdurar a pandemia —, substituir o valor originalmente ajustado de aluguel por um novo valor, que o locatário possa pagar nas circunstâncias atuais.
Com a novação, provavelmente, será possível evitar o inadimplemento, conservando-se o negócio jurídico.
Por fim, a novação se dá no campo da autonomia privada; depende de acordo entre os sujeitos do contrato. Nisso, em muito diverge da revisão ou resolução por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, que ocorrem no campo da interferência do Estado nas relações privadas. A revisão ou a resolução do contrato por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva podem ser pleiteadas em juízo, cabendo ao juiz decidir; a novação, não.
Fonte: http://genjuridico.com.br
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